29 de nov. de 2010

O sentido trágico da vida.


Oh vida humana, vã, caduca e breve
Oh glória dela, ou falsa, ou imperfeita!
                                            Camões 

Confrontados com a crise geral que se abate sobre o homem e a sociedade pós-renascentista, “os maneiristas passam a integrar obsessivamente o sentimento trágico da vida, a postura melancólica e saturniana, a contemplação da morte”.[1] Esta atitude existencial que subjaz à lírica maneirista tem ampla conexão com convicção dos poetas acerca da predestinação do homem à dor e ao sofrimento, à sua destinação a uma vida transitória e infeliz, que apenas serve como um doloroso hiato entre o berço e o túmulo. Assim sendo, os maneiristas não concedem à vida nenhuma possibilidade de ser encarada como trajetória harmoniosa e serena, conforme se depreende nos versos de Diogo Bernardes:

Se toda nossa vida é desafio,
Se sobre nada tem seu fundamento
Que descuido este meu? qu’errado intento?
Que pretendo? Qu’espero? Em que me fio?
Oh vida humana, folha em seco estio
Levada pelo ar de qualquer vento.[2]

Toda ela transcorrida em agonias, em dores, em pranto e em desventuras a vida só enseja ao homem motivos para tormentos físicos, morais e espirituais. Regida pela tirania de Chronos, que a todos metamorfoseia e destrói em seu fluir contínuo, a vida é concebida como dolorosa via crucis do homem para o seu inescapável destino: a decrepitude e a morte.
O sentido agônico da vida emerge, mais das vezes, de um agudo sentimento de luta exaustiva, sem defesa, entre os desejos do corpo e as solicitações do espírito, quando a esta não se somam outras lutas, do homem inteiro consigo mesmo - a mim sigo a mim persigo / por ser imigo de mim- e com o mundo, que é, por tudo quanto o constitui, um eficaz e potente inimigo. Este sentimento de que a vida é luta contínua não seria tão doloroso se viesse desacompanhado da consciência de que o mundo não é um lugar paradisíaco, mas o lugar no qual o homem é exilado e nele paga o amargo tributo da culpa original, sob a forma do sofrimento para a própria alma desterrada da graça divina:

Minh’alma de mim cansada
Chora sua miserável condição
Vendo-se longe de vós desterrada.[3]

Aguiar e Silva chama a atenção para a predileção dos maneiristas pelas imagens do mar revoltoso, tempestuoso e ameaçador, cheio de perigos e armadilhas, para metaforizar a condição dramática e inelutável do percurso existencial do homem.[4]
Frei Agostinho da Cruz, Fernão Álvares do Oriente e Diogo Bernardes incluem-se entre os muitos poetas que fizeram largo uso dessa imagem, tal como faz Estevão Rodrigues de Castro para exprimir o seu estar no mundo em perigo e insegurança:

Com perigoso mar e vento imigo
Vou desgarrado em tanto desamparo
Perdido em mar, em terra mais perdido.[5]

Seguindo a visão cristã acerca da vida, Frei Agostinho concebe-a como um “vale de lágrimas”. Para esse frade-poeta, o sentido da vida como luta extenuante desperta em sua alma um anseio de libertação, uma doce contemplação da morte, aguardada como promessa de bem-aventurança na eternidade celestial: lá nesse etéreo assento, lá onde a luz jamais perde a figura [...]; lá onde tudo é suave e deleitoso.
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Zenóbia Collares Moreira. A poesia maneirista portuguesa. 1999.

Imagem: Desespero. Autor desconhecido.

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NOTAS

[i] Vasco Graça Moura. “O Maneirismo ao pé das Letras”, in Pintura maneirista em Portugal,p.12.
[ii] Diogo Bernardes, Obras ...,p. 18.
[iii] Frei Agostinho da Cruz, Poesias selectas, p. 99.
[iv] Vitor Manuel de Aguiar e Silva. op. cit., p.229.
[v] Estevão Rodrigues de Castro,Cancioneiro Fernandes Tomás, fl. 27v.


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