27 de dez. de 2010

O Maneirismo Literário Português.

Cabe a Jorge de Sena e a Vítor Manuel de Aguiar e Silva o mérito pelo conhecimento que hoje se tem do Maneirismo literário português. O primeiro, por ter sido o pioneiro grito de alerta, ainda na década de cinqüenta, chamando a atenção dos estudiosos da literatura do seu país para a existência de um período maneirista e para a necessidade de sua inclusão no esquema periodológico da história da literatura portuguesa. O segundo, por ter dado início a um prolongado e minucioso trabalho nos acervos bibliotecários portugueses e europeus com o interesse, como ele mesmo o declara, de compreender “a categoria estilístico-periodológica que os historiadores e críticos propuseram como indispensável para uma mais alargada e rigorosa compreensão da arte e da literatura européias pós-renascentistas – o Maneirismo”. [1] 
Esse trabalho, apresentado na Universidade de Coimbra como tese de doutorado de Aguiar e Silva, foi publicado em 1971 com o título de Maneirismo e Barroco na poesia lírica portuguesa, constitui ainda nos dias atuais o mais completo estudo sobre o assunto, lamentavelmente esgotado, desde a década de setenta. Seu autor não somente formulou o conceito do Maneirismo literário português como determinou as suas particularidades de estilo, definiu os seus limites cronológicos e os valores estéticos que afirmam e legitimam a sua autonomia em relação ao Renascimento e ao Barroco. Além disso, Aguiar e Silva resgatou do esquecimento autores ignorados e obras relegadas ao olvido, bem como integrou nesse estilo de época os autores que, equivocadamente, estavam inseridos em um Renascimento ao qual nunca pertenceram. 
No atualizado esquema periodológico da história da literatura portuguesa, o Maneirismo é um período literário situado entre o Renascimento e o Barroco. Os estudos de Aguiar e Silva apontam as primeiras manifestações do Maneirismo português antes do meado do século XVI, na obra do Infante D. Luís, falecido em 1555, cuja produção poética revela um discurso marcado pela irrupção de inequívocos sinais de superação do modelo renascentista. A partir da segunda metade desse século, o que na obra do Infante poderia ser considerado apenas um caso isolado de desvio do cânone renascentista passa a constituir a linha de força de uma nova prática literária acentuadamente distanciada dos valores estéticos e ideológicos do Renascimento.
A poesia que surge na segunda metade do século XVI já não se mostra subordinada ao dogmatismo dos “modelos” e à tirania da imitação às normas e padrões estéticos hauridos nos autores da Antigüidade Clássica greco-latina; já não se entusiasma com os legados de uma cultura essencialmente pagã, definidora de uma particularíssima visão do mundo, da vida e do homem, cujo sentido se esvaíra na inquietação espiritual e na instabilidade material do homem quinhentista.
O Maneirismo é, portanto, um estilo que se afirma através de uma atitude eminentemente anticlássica; um estilo que, no dizer de Jorge de Sena, “ se integra numa problemática ideológica e cultural que rompe, em pontos capitais, com as normas, os padrões e os valores tipicamente renascentistas”.[2] Tendo o seu início na segunda metade do século XVI, “o Maneirismo que se inicia com Camões e os tão mal conhecidos poetas confundidos com ele ou tidos como servis imitadores seus”,[3] prolongou-se até os últimos anos da segunda década do século XVII, época esta que assinala o desaparecimento dos seus derradeiros representantes e a irrupção na cena literária de novas gerações de  poetas em cujas obras irrompiam os primeiros sinais da mudança de valores estéticos que iriam logo mais triunfar e caracterizar um novo estilo de época, um outro período literário: o Barroco.
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Zenóbia Collares Moreira. A Poesia Maneirista Portuguesa, Natal: EDUFRN, p. 30-31.

Imagem: Retrato do poeta maneirista Luís de Camões, autor desconhecido.
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Notas
[1] Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Maneirismo e barroco na poesia lírica portuguesa, p. 10
.[2] Jorge de Sena, Maneirismo e barroquismo na poesia portuguesa dos séculos XVI e XVII, p.29.
[3] Idem, ibidem.


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