23 de mai. de 2011

A poesia feminina portuguesa na viragem do milênio.

A partir dos anos 80 o panorama poético português começou a sofrer alterações com a irrupção de novas e expressivas vozes femininas que traziam em suas poéticas os elementos definidores da poesia fin-de-siècle, principalmente aqueles que põem em evidência a alternância entre continuidade e ruptura. Caracteriza a poesia desta geração a pluralidade de tendências poéticas, algumas herdadas das décadas anteriores que se foram estendendo por vários caminhos, ora se orientando por paradigmas opostos, ora se articulando em torno de alguns aspectos de interesse comum.

Daí a instauração, por um lado, de uma maneira nova de perspectivar o real através da revalorização do quotidiano e, por um outro lado uma espécie de resgate da tradição que busca recuperar linguagens e modelos do passado. O interesse comum pela introdução de elementos renovadores na abordagem do real quotidiano está bem evidente na poesia de Teresa Rita Lopes, Rosa Alice Branco, Adília Lopes, dentre outras. Todavia, cada poetisa faz uso de linguagens diferenciadas para referenciar este real.

À essas vozes femininas que estrearam nos anos 80, somam-se outras na década de 90: Agripina Costa Marques, Ana Luísa Amaral, Ana Marques Gastão, Ana Paula Inácio, Graça Pires, Inês Lourenço, Maria do Rosário Pedreira, dentre outras. A diversificação de poéticas tem continuidade na obra das estreantes. Com a geração de 90, tem continuidade intensificadora alguns aspectos pressentidos nas gerações anteriores, nomeadamente, o de uma poesia dominada por uma negatividade melancólica, por um sentimento de despedida e de perda de uma modernidade que se despede, que caminha para o seu momento crepuscular.

O novo milênio, ainda dando os seus primeiros passos, vem dando continuidade a muitas linhas e tendências poéticas que transitaram para o ano 2001, abrindo caminhos para muitas outras, de acordo com o espírito da liberdade de expressão que caracteriza a poesia desde a instauração do Modernismo. Todavia, a poesia feminina portuguesa contemporânea caminha para uma aceitação da tradição, para um relacionamento harmonioso com a vasta herança dela recebida, promovendo, assim, uma articulação entre tendências diversificadas que se situam tanto nos legados do passado poético quanto nas inovações do presente, estabelecendo um maior equilíbrio entre tradição e novidade.

Não obstante a ocorrência de tendências dominantes na poética feminina dos vinte anos que antecedem a viragem do século, não se pode afirmar que chegaram a formar uma nova corrente. O que se pode observar e constatar são as grandes diferença e diversidade de poéticas coexistentes, afirmando o individualismo que preside a criação literária contemporânea. Contudo, tais diferenças não significam a ausência de pontos em comum entre as diversas e variadas poéticas finisseculares, notadamente no que diz respeito ao gosto pela realidade exterior, ao quase abandono do uso da metáfora, do culto do objetivismo e, principalmente, por uma tendência a se deixar seduzir pela recuperação e redimensionamento de elementos da tradição eleitos e depois relegados ao esquecimento pelas gerações anteriores.

Em seu conjunto, as poéticas que irrompem na cena literária das duas últimas décadas do milênio assinalam o advento de um ciclo inovador que reafirma e consolida as mudanças que já vinham sendo processadas desde a década de 60, através de poetisas como Maria Teresa Horta, Salette Tavares, Fiamma Hasse Pais Brandão, Ana Hatherly, Luisa Neto Jorge, dentre outras.

O itinerário do lirismo feminino, iniciado no longínquo século XV, aproxima-se do presente da história literária, da contemporaneidade mais imediata trazida pelo terceiro milênio, para a qual as poetisas que se estrearam a partir dos anos 60 transitaram. Parte das poetisas pertencentes à novíssima geração fin-de- siècle que atravessaram as fronteiras do milênio, levaram para o século XXI, através das suas obras, novas visões, novas formas de estar na poesia e no mundo, deram todo o conjunto de inovações, de mudanças e de vivências literárias que caracterizaram o universo multifacetado da modernidade novecentista, constituído por todas as contribuições estéticas que fizeram do século XX uma das épocas mais prodigiosas da literatura. 
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Autora: Zenóbia Collares Moreira. In O Itinerário da poesia feminina em portugal: Século XX, s/d.




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