27 de jul. de 2011

Teresa Rita Lopes - Retóricas Femininas Fin-de-Siècle - Final.


Teresa Rita Lopes nasceu e viveu em Faro, no Algarve até vir para Lisboa cursar a Faculdade de Letras. Nos anos 60 foi obrigada a ir para Paris, onde viveu cerca de 20 anos, doutorando-se e lecionando na Sorbonne. Regressou a Lisboa, onde é professora na Universidade Nova. Como pesquisadora e ensaísta, tem tido particular interesse por Fernando Pessoa e Miguel Torga. 
A poetisa e ensaísta Teresa Rita faz coro com outras vozes poéticas femininas que, na década de oitenta, dão continuidade à prática de um tipo de poesia voltada para a reabilitação do real quotidiano, no seu caso através de um discurso conduzido pela emoção, pela afetividade:

Junto a um muro velho
A uma casa ruída
A velha amendoeira diz que não
À morte
E fica
De repente
Menina e noiva
Ao mesmo tempo
O vento ri-se dela
Arranca-lhe as pétalas
-Mas são tantas que não se nota – 
Escarnece-a:
“És uma velha louca de véu e grinalda!” –
para enxotar os insultos machistas do velho
vento.

Os poemas curtos, a forma minimalista somam-se nos poemas de Teresa Rita Lopes que compõem o seu livro A Fímbria da fala, no qual “uma só palavra constitui um verso”, da mesma forma que o substantivo domina o campo da expressão poética, como exemplifica o poema Dia a dia:
Dia 
a
dia 
noite 
noite
pedra
pedra 
palha 
a
palha 
tronco 
a
tronco 
cuspo 
cuspo
gesto 
gesto 
passo
passo 
flor 
flor
se faz um ninho
um caminho


Tristeza porque não
mas não
tristeza vidro sujo a cuspir sua vileza
sobre todas as paisagens
não tristeza dente podre 
a proibir qualquer sorriso
não tristeza nódoa de gordura sobre
a seda natural deste mar 
deste ar 
Tristeza ah porque não
avança sobre
mim mas toca harpa
cobre-me de luto 
sem vergar ombros 
sê uma auréola 
de negra luz sobre a minha cabeça

Quando te tinha
Mãe
Não sabia
Havia
De te perder
Nem pensava
Sequer
Que podia
Não te ter
Não parava
Para te saborear
Para te saber
Tão precisa
À minha vida
Tão preciosa
Não gozava
A alegria
De te saber
Mãe
Agora que morreste Mãe
e só em mim te tenho
sou mais que o meu tamanho
porque sou tu também
Tuas mãos afagam as minhas mãos
de quem são estes gestos esta pele?
Nunca me deste irmãos
só contigo reparto o meu farnel
de quotidianos fardos e alegrias
breves e desta brasa em chaga
Que é a tua ausência nos meus dias
órfãos mas sempre ao colo desta mágoa
de não te ter sido esquiva
de não te ter nunca aberto as portas
do meu ser de nunca te ter dado vivas

As obras das poetisas da década de 80 são de suma importância para a renovação da poesia, não apenas porque levam em seu bojo heranças de décadas anteriores, que se foram desdobrando em outras, assumindo roupagens diferentes e ressurgindo através de novas linguagens. No fértil terreno dessas mutações renovadoras fincaram-se as raízes uma nova forma de realismo que recupera a poesia do quotidiano sob uma outra perspectiva que nada deve à poesia do quotidiano consagrada por Cesário Verde, no século XIX. É sobre a realidade do século XX, a partir da visão particularizada de mulheres de uma outra era que esse quotidiano é focalizado.


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